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domingo, 29 de agosto de 2010

Deu nisso... Resposta a um amigo sobre e-mail referente às próximas eleições

Os investimentos que o PT faz hoje em educação são consequência do processo de democratização, globalização (que exige mão-de-obra qualificada), e também da estabilização da moeda iniciada pelo plano real de FHC, ao qual o PT fez enérgica oposição (lembro de ter ido com vc ao diretório do Mercadante/Gushiken logo após a implantação do plano, e do discurso raivoso de Mercadante contra o mesmo). Não é justo que só o PT leve os louros disso. Aliás, é desonesto. São uma consequência, também, do controle fiscal gerado pela lei de responsabilidade fiscal, à qual o PT também fez oposição (a 'mea culpa' tardia do Palocci não ajuda muito pra desculpar o partido por essa mancada). O PROUNI, sem dúvida, é um grande projeto. As PPP's (o PROUNI é uma PPP, não é?) também, se não me engano, foram sempre defendidas pelo PSDB (enquanto o PT defendia uma postura agressiva anti ensino particular). Ainda bem que o PT mudou de idéia.

Sobre os investimentos nas federais, USP, Unicamp, tenho defendido já há algum tempo que o custo/benefício dos altos investimentos no 3ºgrau público no Brasil (comparados aos feitos no ensino fundamental) não é positivo. Ao contrário do que vc diz, aqui a classe média alta também têm clara vantagem. Você, eu e outras raras e honrosas exceções só confirmamos a regra. A grande maioria dos que entram nos cursos mais disputados (medicina, engenharia, etc) nas federais, USP e Unicamp são da classe média, média alta. Para o modelo brasileiro (que não é nem capitalista nem socialista: oscila entre o estatismo e o liberalismo de forma bipolar), eu defendo o sistema norte-americano: universidades em sua maioria particulares, mas com generosas quotas de bolsas para alunos carentes mas esforçados. Ou seja, eu defendo que a universidade pública aprenda a competir com a universidade particular dentro de parâmetros que forneçam à sociedade ampla contrapartida na forma de pesquisas de interesse nacional e formação de profissionais realmente conhecedores dos problemas básicos do país (embora tema que a universidade pública imploda se esses compromissos forem mesmo cobrados, assim como a transparência nas suas contas). Ao mesmo tempo, a maciça ampliação de programas como o PROUNI. PPP's para a educação.

Repito, as públicas não têm feito valer o investimento feito nelas. A sociedade ganharia mais estendendo o PROUNI a todas as particulares e regulamentando e obrigando todas a investirem em pesquisa (coisa que hoje é monopólio das públicas). Se vc me mostrar algum caminho pra seguirmos o modelo social-democrata escandinavo eu mudo de posição. Aliás, A Finlândia (da chamada 'Grande Escandinávia'), primeiro lugar nas avaliações internacionais do PISA, investe se não me engano mais no ensino fundamental que no universitário (embora eu precise confirmar esse dado). Lá o professor primário ganha mais que o profesor universitário.

Ainda sobre as universidades públicas... vc deve saber da recusa da Unicamp e da USP em aderirem ao ENADE. Agora parece que a Unicamp aderiu, depois de vários anos de recusa, deixando a USP com a batata quente de ser a única de fora da avaliação externa capitaneada pelo próprio PT (seguindo os passos do antigo provão, criado pelo PSDB). Por que é que vc acha que a USP não quer aderir ao ENADE? Só vejo uma explicação pra isso: ela se tornou um antro corporativista. Acostumou-se ao dinheiro público fácil sem a contrapartida de um retorno à sociedade (vide a última ou penúltima greve, que teve como principal reivindicação a não-vistoria das contas da universidade pelo governo, como se a USP fosse uma república independente...). E, falando pela FEUSP, te digo que o jornalismo especializado em educação da VEJA (Claudio Moura Castro, Monica Weinberg, Gustavo Ioshpe...) e Folha (Gilberto Dimenstein) entende muito mais da escola pública que meus ex-professores. Se pudesse voltar no tempo e trocar de professores, eu o faria. Digo isso agora que conheço de carteirinha a escola pública e todas as suas mazelas neofeudais, corporativistas, nepotistas e antidemocráticas (nunca denunciadas pela FEUSP). A barra aqui no meu município é pesadíssima, e a FEUSP não me ajudou nada a antever o que me esperava. Se tivesse acompanhado mais a imprensa especializada e menos a academia desde aquela época, teria me preparado melhor. Aliás, o meu município apresenta os melhores salários e as piores notas do litoral norte (pra calar a boca dos que acham que só a melhoria dos salários resolve).

Por fim, temo que o PT crie obstáculos à implantação da meritocracia em nossas escolas (embora o Hadad esteja fazendo uma boa administração e, como vc diz e eu reconheço, esteja incrementando mecanismos de fomento da meritocracia nas escolas via ENEM, IDEB, etc... dando também sequência aos programas anteriores do PSDB). Ora, o PT nunca equacionou corretamente a dialética competição/cooperação para a sociedade como um todo, o que não se dirá na educação (segundo Carl Rodgers, a instituição mais burocratizada de nosso tempo). Digo isso porque os sindicatos dos professores (que historicamente têm grande influência nos programas petistas de educação) têm sido os principais opositores das políticas de avaliação do professorado (seja pela prova escrita ou pelos resultados dos alunos), sendo ostensivamente contrários a qualquer ameaça à isonomia salarial. Ou seja, defendem o aumento indiscriminado para toda classe sem a contrapartida da melhoria dos resultados. Não sei como o Hadad e Cia petista vão implementar e incrementar o reconhecimento e premiação do mérito (ao invés de punição do demérito) se os sindicatos que lhes dão apoio são contra. E eu não consigo ver futuro num plano de carreira que não premie o bom professor, aquele que de fato demonstra a qualidade do seu trabalho através dos resultados dos seus alunos nas avaliações externas. Aliás, a título de curiosidade, escrevi sobre isso há tempos atrás no fórum da revista VEJA sobre meritocracia na educação. Meu comentário foi escolhido pela Monica Weinberg entre outras mil e tantos, rs ( http://veja.abril.com.br/40anos/educacao/conclusao.shtml )

Por fim, agora quanto à política internacional, se por um lado apóio a perspectiva de um fortalecimento dos laços Sul-Sul, e a solidariedade brasileira com o processo de democratização social da Bolívia (por exemplo), eu deplorei a atuação brasileira no caso Zelaya, em Honduras, a aliança com Chaves, o apoio ao líder Iraniano (que nega o holocausto), os comentários de Lula com relação à greve de fome dos prisioneiros políticos cubanos, etc, etc, etc... Quanto à nossa inserção na América do Sul, aliás, vejo a posição de Serra como mais coerente: enquanto nossos vizinhos sul-americanos não se entendem ou pensam que se entendem quando acatam a idéia de uma 'frente bolivariana' autocrática (que de Simão Bolívar não tem nada, como já foi observado por mais de um cientista político), nós não podemos nos prejudicar abrindo mão do mercado americano e europeu (pelas exigências de negociação conjunta do Mercosul), ainda por cima com a China ganhando mercados nas nossas barbas...

PS: Volto atrás em muito do que escrevi atrás de vc me convencer de um caminho seguro para a social democracia escandinava, como já disse. O melhor lugar do mundo, hoje, se chama Dinamarca (e seus vizinhos Noruega, Suécia, Finlândia e, um pouco mais distante, a Islândia, não ficam muito atrás). Lá o estado é forte, o imposto de renda é de mais de 50%, mas tudo isso retorna em serviço público de altíssima qualidade. Assim sim... Mas como chegar até lá se a nossa esquerda nem reconhece o modelo escandinavo como uma referência. Esse seria o primeiro passo pra atualizarmos nosso projeto de país para uma alternativa ao modelo liberal, por um lado, e ao socialismo não-democrático, de outro. Acho que o modelo escandinavo é muito pra cabeça da nossa esquerda, acostumada à análise marxista da transformação das bases econômicas como uma prévia para a mudança cultural. Lá parece que as coisas aconteceram ou ao contrário, ou ao mesmo tempo. Cultura e economia. Marx parece ter relegado a cultura a um terceiro plano. Errou. E nossa esquerda acho que nunca se acostumará com a idéia de que socialismo não se cria por decreto, mas com uma ampla transformação cultural (embora isso leve muito mais tempo. Séculos). Sem isso, a corrupção, a promiscuidade entre o público e o privado, não podem ser debelados. E o estado não pode justificar seu tamanho. Em tempo: consta que Gorbachev admitiu que a Suécia se aproximou muito mais do ideal soviético de uma sociedade sem classes que a própria extinta URSS. O curioso é que estamos escrevendo esse tempo todo sobre dois partidos supostamente social-democratas (embora o PT nunca tenha aberto mão da bandeira socialista, na prática atua de forma social-democrata). Mas como fazer pra mudar a cultura brasileira de sempre 'levar vantagem em tudo' às custas do que deveria ser de todos?

Gande abraço!

Alexandre
 
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